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2 de março de 2015

Risco ambiental ganha visibilidade nos bancos

Questões ambientais que pareciam tão distantes do sistema financeiro como desmatamento, produtos transgênicos e contaminação do solo terão mais atenção dos grandes bancos brasileiros a partir de agora. Mais que preocupação ecológica, a adoção de novos parâmetros na análise de risco de crédito está relacionada a uma exigência do Banco Central (BC).

Apesar de as grandes instituições financeiras já avaliarem os tomadores de crédito sob algum aspecto socioambiental, as regras trazem mudanças na rotina.

Em uma iniciativa pioneira no mundo, o BC emitiu norma em abril do ano passado determinando que os bancos passem a seguir uma política de responsabilidade socioambiental. Terminou no fim de fevereiro o prazo para que as grandes instituições apresentassem suas regras internas. As demais terão de fazê-lo até julho.

Cada um à sua forma, os bancos de grande porte já tinham as próprias diretrizes socioambientais para as operações com empresas. Agora, porém, quem dita os padrões mínimos que precisam ser adotados é o Banco Central, que também vai fiscalizar o tema. A avaliação da autoridade é que problemas sociais e ambientais podem ter impacto no sistema financeiro, daí a necessidade de um conjunto de diretrizes.

"A avaliação socioambiental é uma questão meramente de risco de crédito", afirma Denise Hills, superintendente de sustentabilidade do Itaú. "Afeta diretamente a nota da empresa."

Uma das principais mudanças esperadas no cotidiano dos bancos diz respeito ao armazenamento de documentos sobre perdas relacionadas a questões socioambientais. Para que o BC possa fazer esse acompanhamento, as instituições terão de manter em arquivo, durante cinco anos, a documentação das atividades que possam gerar impacto ambiental.

"Hoje, os bancos não dizem o motivo da perda [em uma transação], se foi por causas socioambientais ou outros fatores", diz Paulo Vita, superintendente de risco do Itaú Unibanco. "No fundo, o que o BC quer saber é se a instituição precisa alocar mais capital para fazer frente a esse tipo de risco."

Por isso, o objetivo da norma é deixar mais visível o impacto desses fatores nas operações. "Todos precisarão registrar o histórico de todas as operações para que o BC possa checar as informações se quiser", diz Iuri Rapoport, sócio do BTG Pactual responsável pela diretoria de políticas socioambientais e sustentabilidade do banco.

As medidas valem sobretudo para operações de crédito, mas não se limitam a elas. O Santander, por exemplo, passará a analisar de forma mais enfática o risco socioambiental em operações de fusões e aquisições, fianças, garantias reais dadas pelos credores e operações de mercado de capitais, segundo Linda Murasawa, superintendente-executiva de Desenvolvimento Sustentável do banco.

O BTG Pactual também vai levar em conta as regras ao fazer investimentos com seu próprio capital. Na leitura do banco, alguns projetos imobiliários também precisarão de monitoramento ambiental. "Já observávamos esses riscos, mas agora o processo será feito de maneira formal", diz Rapoport. Para absorver o aumento no volume de trabalho, o banco está em fase de contratação de duas pessoas.

No Banco do Brasil, as discussões envolveram as diretorias de risco, sustentabilidade, estratégia e crédito. A instituição já seguia diretrizes socioambientais, mas reformulou sua política para se ajustar às exigências do BC. "A regra não apenas cria um denominador mínimo para risco de crédito, mas traz uma questão de responsabilidade para os bancos", diz Rodrigo Nogueira, gerente-geral de Desenvolvimento Sustentável do BB.

A norma começou a ser discutida pelo BC em 2012. Até o começo do ano passado, a minuta da regulamentação era mais detalhista e impunha exigências que preocupavam os bancos. A principal queixa era que as instituições teriam de atestar a regularidade ambiental dos clientes e não apenas das operações, o que elevaria os riscos e os custos de crédito. Porém, a versão final saiu bem mais branda.

"Não vejo grande impacto em termos de onerar as operações", afirma Flávia Kickinger, chefe de departamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Maior financiador de obras de infraestrutura do país, o banco tem desde 2010 uma política interna que classifica as operações conforme os riscos socioambientais. No ano passado, criou um comitê para cuidar do assunto e que vai garantir a execução das medidas. "A norma não impôs muita coisa nova para nós, mas trouxe visibilidade para o tema."

Segundo Paula Barsted, gerente do BNDES, a expectativa é que esse comitê também ajude a fortalecer o diálogo com os agentes repassadores de crédito da instituição. "Estamos aguardando que cada banco se organize para saber como vai ser", diz.

Para Rapoport, do BTG, o custo gerado pela adoção da norma é pequeno e não vai se refletir nas operações. "No fundo, é uma garantia para o próprio banco. Se um projeto tem um problema ambiental, vai gerar um problema para o banco lá na frente", afirma.

O custo das operações na verdade pode cair, segundo Nogueira, do BB. "Refinando mais o olhar para essas questões, vai ser possível mitigar riscos e até reduzir o custo para as empresas que já fazem tudo corretamente", diz. "Vai ficar mais fácil perceber quem pratica a sustentabilidade e quem só tem discurso."

Procurada pelo Valor, a Caixa enviou e-mail afirmando que teve de fazer poucas adequações à norma e que já aborda os impactos das instituições financeira na indução de negócios susentáveis. O Bradesco não se manifestou.

Fonte: Valor Econômico /  Carolina Mandl / Talita Moreira - 02.03.2015